quarta-feira, 25 de novembro de 2015

AQUILO QUE VIVI - Capítulo CINCO

AQUILO QUE VIVI
Capítulo cinco

Acordei ouvindo o pequeno Felipe brincando com um dos seus muitos carrinhos no quintal e fazendo aqueles barulhinhos de criança do tipo "uóóóm" "vrum-vrum".
Levantei meio zonza, sem lembrar exatamente onde estava. Abri os olhos aos poucos, olhei para aquele quarto limpinho. Pintado com cores claras. Abri a janela e dava para um jardim pequeno muito florido. Muito bem cuidado. E demorei para entender se era sonho, cheguei até a pensei que eu tinha morrido e que aquilo era o céu. Levantei e abri "meia" porta.
- Você acredita, menina, que o senhor que cuida do meu jardim chama Flores. Isso mesmo o nome dele é Alberto Flores. Nome perfeito pra um jardineiro, não é? Dormiu bem?
- Ah sim. Dormi ótima. Respondi meio atordoada diante da mulher que falava comigo. Dona Silvana.
O pequeno Felipe era uma criança muito simpática. Toda criança é feliz, animada, brincalhona, ou pelo menos deveria ser. Ele era bastante. Eu não fui muito. Sempre fui retraída, ou poderia dizer reprimida.
Meu pai sempre deixou bem claro que menino podia falar, brincar, gritar, brigar... mas menina não.
- Mulher que presta deve ficar calada. Cuidar da casa, do marido, dos filhos e dos irmãos. Mulher que fala muito, que se intromete na conversa dos homens, que vive rindo e brincando não presta!
Meu pai dizia isso, meu avô dizia isso. Eles aprenderam com meu bisavô e assim seguíamos os ensinamentos. Às mulheres cabia concordar e obedecer. Caladas. Assim aprendi com minha mãe e ela com minha avó e essa com minha bisavó.
- Chocolate quente ou café?
Não ouvi.
- Chocolate quente ou café?
Ouvi, mas não entendi.
- Vamos pra cozinha. Lá tem um monte coisas gostosas. Eu gosto de bolo. E você? Agora ela Felipe que perguntava.
- Lorena, você gosta mais de chocolate quente ou café. Perguntou novamente Dona Silvana com toda paciência.
- Ah desculpe. Eu gosto de café.
Fomos pra cozinha. Eu fui levada pelas mãos do menino encantador e bonzinho.

Na cozinha sobre a mesa havia muita coisa pra comer. Bolos, bolachas, pães, sucos, leite, margarina, geleias. 
Dona Silvana colocou uma xícara de café com leite pra mim e pediu que eu comesse o que quisesse e mais gostasse. Eu gostava de tudo, menos de café com leite, mas como ela já havia colocado eu bebi sem reclamar. Como reclamar desse banquete? Comi pão com manteiga. Felipe insistiu que eu provasse o bolo de chocolate. Provei, amei. Dona Silvana me ofereceu mais café. Tive vergonha de aceitar. Ela colocou o café na xícara e dessa perguntou:
- Leite?
- Eu posso provar seu café preto?
- Claro, querida. Ah, desculpe, aquela hora coloquei leite sem nem mesmo perguntar se você gosta...
- Estava ótimo. Respondi, tentando ser convincente.
- Lorena, eu imagino que você tenha passado por coisas difíceis na sua vida, mas quero que você fique à vontade e por favor, você precisa aprender a falar o que gosta e o que não gosta. O que quer e o que não quer. Se não, menina, você vai sofrer muito.
Não tive palavras. E nada disse.

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