quarta-feira, 4 de novembro de 2015

AQUILO QUE VIVI - Capítulo TRÊS

AQUILO QUE VIVI
Capítulo Três
Entrei no carro envergonhada por vários motivos. Por estar suja, mal cheirosa e, também por não ter perguntado nem ao menos o nome daquela mulher linda e desconhecida.
- Desculpa moça, desculpa mesmo, mas eu nem perguntei seu nome.
Ela riu.
- É mesmo. Meu nome é Silvana. Eu tenho 40 anos e moro num bairro chamado Perdizes. Você conhece? 
- Já ouvi alguém falar nesse bairro chamado Perdizes. Dizem que é chique lá.
- É um bairro charmoso, sim.
- Perdiz é um passarinho, uma ave que nem galinha, não é?
Ela riu novamente. 
- É. É sim.
- Nossa e a senhora, você, tem 40 anos? Achei que fosse vinte e pouco...
- Uau! Adorei você! E você tem uns trinta anos?
- Vou fazer 21.
- Ai, desculpa. Mais uma gafe. 
- Não se preocupe. Eu estou com cara de velha mesmo. Eu sei.
Seguimos em silêncio. Eu me sentia num sonho. E estava mesmo. Só que acordada. De repente me deu um acesso de riso, como a muito tempo eu não tinha.
- Um lugar com nome de passarinho. Perdizes. Um bairro elegante e bonito. Foi lá que eu fui morar.
Apesar de estar feliz, confesso que quando o carro entrou na garagem da casa eu senti um aperto no coração, uma preocupação. Fiquei com vergonha e com medo daquela nova experiência tão repentina quanto minha vida pra São Paulo, o roubo da minha mala e minha vida nas ruas. Realmente minha vida andava muito diferente e agitada. Eu que sempre pensei que teria aquela vidinha na minha casa no interior com minha família para sempre me vejo de repente numa tempestade de mudanças. E isso me deixava completamente tonta.
- Você tem certeza que quer fazer isso?
- Absoluta. Quando você me contou sua história eu senti uma sinceridade e me deu vontade de tentar te ajudar. 
- Nem sei o que dizer...
- Fique tranquila.
Descemos do carro e o marido dela veio nos receber ali mesmo. Na garagem.
Ele chegou falando naturalmente e mudou quando me viu.
- O Felipe já está dormindo...
Silvana percebeu o estranhamento dele.
- Paulo, essa é a Lorena e ela precisa tomar um banho urgente. E enquanto isso eu te explico tudo. Vamos Lorena.
Eu apenas balancei a cabeça envergonhada, não consegui nem falar.
E ele ficou tão confuso que não disse nada. A generosa mulher me levou até um banheiro próximo à lavanderia.
- Querida, esse banheiro é pequeno, mas o chuveiro é muito bom. Eu adoro. Aí dentro tem sabonete, xampú, toalha... Tem escova de dentes nova e creme dental no armárinho. Por favor, fique a vontade. Depois te apresentarei o seu novo quarto. Ah e pode colocar aquele roupão estampado que está pendurado ali. Está limpinho. Depois te trago umas roupitchas.
Eu comecei a chorar. Quase caí de joelhos diante dela. E ela me deu o abraço mais carinhoso que já recebi em toda a minha vida.
O marido dela apenas nos olhava. Nem imagino o que se passava pela cabeça dele. 
Entrei no banheiro desajeitada. Quando fechei a porta. Chorei o choro de vinte anos. Minhas lágrimas se misturaram com a maravilhosa água do chuveiro. Eu me senti como uma rainha. O "pequeno banheiro" era enorme para mim. Bem maior que o meu quarto lá na minha cidade e muito mais aconchegante, cheiroso. Era um banheiro de rainha. 
Após o banho eu coloquei o que ela chamou de roupão e achei engraçado. "Roupão" nunca tinha ouvido falar e muito menos visto. E também fiquei imaginando o que seria "roupitcha".

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